Resumo da notícia:
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DeCripto (IN 2.291/2025) burocratiza a declaração de operações DeFi.
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A Receita Federal oferece uma alternativa para que os usuários informem o hash de cada transação, permitindo a associação de CPFs a endereços públicos de carteiras autocustodiais.
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O cerco à informalidade no mercado de criptomoedas fecha com a obrigação de reporte das exchanges estrangeiras com atuação no Brasil e a adesão do país ao CARF.
Especialistas em direito e tributação de criptoativos alertaram que a Receita Federal criou uma “armadilha” para tornar transparentes e rastreáveis todas as interações de investidores brasileiros com DeFi (finanças descentralizadas) por meio do DeCripto.
A Instrução Normativa 2.291/2025, que institui o DeCripto e substituirá a IN 1.888 a partir de julho de 2026, tenta enquadrar a dinâmica dos contratos inteligentes na burocracia estatal, criando um dilema de dificuldade de resolução para os usuários: preencher uma declaração específica de cada interação com protocolos DeFi ou entregar voluntariamente dados sobre sua privacidade financeira ao informar o hash de todas as transações efetuadas, expondo o endereço de suas carteiras ao escrutínio da Receita Federal.
“A IN 2.291/2025 exige que o usuário brasileiro declare operações realizadas em plataformas descentralizadas, mas o próprio conceito de DeFi exclui a existência de qualquer ponto de contato institucional capaz de fornecer informações estruturadas à Receita Federal”, afirma o advogado Pedro Torres, especialista em ativos virtuais e sócio do Sydow e Torres Advogados. “Na prática, trata-se de um dever de verificação fiscal cuja dependência dependa exclusivamente da autodeclaração dos contribuintes.”
Para a contadora Ana Paula Rabello, fundadora do Declarando Bitcoine Alexandre Senra, procurador da República e coordenador do GT de Criptoativos do MPF, o DeCripto torna praticamente impossível interagir com DeFi em conformidade com a lei sem optar pela solução mais fácil – e perigosa.
A burocratização do DeFi
A partir de 2026, os investidores que operarem acima do limite de R$ 35.000 mensais, somando vendas no Brasil e no exterior, serão obrigados a informar os seguintes detalhes a cada interação com protocolos DeFi:
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Identificação da Plataforma: O nome exato do protocolo (Uniswap, Aave, Lido, etc).
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Tipo de Operação: Classificação técnica precisa (staking, empréstimos, farm, swaps, provisão de liquidez).
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Marcos Temporais: Dados exatos de início e fim das operações (como bloqueios de tempoempréstimos ou apostar bloqueado).
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Tokens de Recibo: Declaração dos tokens recebidos como contrapartida nessas operações, com o agravante de que a Receita Federal pode interpretar a coleta desses tokens como uma permuta tributávelgerando imposto a pagar no momento do depósito, antes mesmo do fechamento da operação.
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Contraparte: Nome, endereço e número fiscal de quem comprou seu ativo. Esta exigência ignora a dinâmica das finanças descentralizadas: em piscinas de liquidez ou operações de empréstimo, não existe uma contraparte única ou identificável.
Hash como “armadilha”
Diante do imperativo ‘kafkiano’ de declarar todas as informações pertinentes pelas novas regras, a Receita Federal oferece uma solução aparentemente simples e benéfica: a permissão para informar o hash da transação (o código identificador da operação na blockchain).
Rabello, fundador do Declarando Bitcoinalerta que os investidores devem ficar atentos a essa novidade:
“É a primeira vez que o hash de transações vai entrar na declaração de criptomoedas.”
Ao optar por informar o hash da transação, o investidor vinculado, de forma irrevogável e direta, ou seu CPF no endereço público de sua carteira nos sistemas da Receita Federal.
Com isso, o investidor permite que a Receita Federal utilize softwares de análise na rede para visualizar o saldo atual da carteira, todas as operações dos últimos cinco anos e acompanhar as interações futuras nesse endereço.
Aquilo que deveria servir como um comprovante pode ser convertido em um registro abrangente de privacidade financeira dos investidores. Diante do risco de exposição, Alexandre Senra sugere que os usuários adotem uma estratégia de “higiene de dados” para preservar sua segurança patrimonial:
“Como a norma obriga informar todo saque para autocustódia, o grande recebimento é o vazamento desse dado, expondo quanto você tem na carteira. A solução é informar os saques, mas, toda vez que fizer uma retirada para autocustódia, sacar para um endereço novo e diferente.”
Cerco às Exchanges e “Big Brother” Global
Além da vigilância sobre operações de DeFi, o DeCripto elimina a distinção entre exchanges nacionais e estrangeiras para fins de fiscalização. A nova regra determina que exchanges sediadas fora do país, mas que mantêm “nexo substancial” com o mercado brasileiro — caracterizado pela manutenção de sites com domínio “.br”, conexão com o Pix ou campanhas direcionadas de marketing —, passem a ter a obrigação de reportar diretamente as movimentações de seus usuários à Receita Federal.
Embora não seja máxima os investidores de declaração de operações acima do limite de R$ 35.000 mensais, a medida visa acabar com a omissão de informações sobre transações realizadas em grandes exchanges globais como a Binance, por exemplo.
Para investidores e plataformas que não se adequarem aos novos padrões, o cerco se fecha com a adesão do Brasil ao CARF (Crypto-Asset Reporting Framework). Criado por membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), este contrato estabelece a troca automática de informações financeiras entre os países signatários.
Investidores que operam em bolsas de “jurisdições parceiras” — como Estados Unidos, Reino Unido ou Suíça — terão seus dados enviados aos órgãos locais e repassados automaticamente à Receita Federal. Com os cruzamentos automáticos entre o que o usuário declara e as empresas informam globalmente, a informalidade no mercado de criptomoedas tende a desaparecer.
As novas regras de relatório local e o intercâmbio global de dados se tornarão mais fáceis para a Receita Federal identificar a inconsistência entre o que é declarado pelo usuário e o que é informado pelas empresas. Com isso, a informalidade no mercado de criptomoedas tende a acabar.
O fim da informalidade no mercado de criptomoedas
A primeira estratégia para evitar a malha fina diz respeito ao design correto dos limites de autorizados. O advogado Thiago Barbosa, especialista em tributação de criptoativos, alerta que o teto de R$ 35.000 refere-se ao volume total alienado no mês, e não ao lucro.
O projeto deve considerar o somatório global das operações realizadas tanto no Brasil quanto no exterior. Barbosa ressalta que, caso a soma total das vendas ultrapasse esse limite, toda a operação perde a autorizada, e o lucro total passa a ser tributado, não apenas a parcela excedente.
Embora o DeCripto não estabeleça normas específicas sobre a tributação de criptoativos, o advogado sugere a constituição de uma empresa (PJ) para que o investidor possa se beneficiar do regime de lucro presumido.
Segundo Barbosa, enquanto pessoas físicas estariam sujeitas a uma alíquota de até 27,5% no Imposto de Renda, a tributação inicial para a Pessoa Jurídica nessa modalidade seria de aproximadamente 13,5%, retirando os impostos devidos pela metade.
Por fim, Senra recomenda a segregação patrimonial: manter o patrimônio principal em carteiras de Segurar (longo prazo) e utilize carteiras “descartáveis” exclusivas para interações com exchanges e protocolos DeFi.
Conforme noticiado recentemente pelo Cointelegraph Brasil, a deputada Júlia Zanatta (PL-SC) encaminhou ao Congresso um projeto de Decreto Legislativo (PDL) 1013/2025, para sustar os efeitos da Instrução Normativa 2.991/2025.
Segundo a deputada, “a Receita legislou por instrução normativa e criou um sistema de vigilância fiscal que não foi autorizado pelo Congresso”.
Fontecointelegraph



