Resumo da notícia
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O Brasil passa a tratar autocustódia como câmbio, medida inédita no cenário global.
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Nova regra abre espaço para IOF e mais custos, que recai diretamente sobre o usuário.
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Enquanto os EUA se atraem institucionais, o Brasil suporta e arrisca o trabalho de inovação criptográfica
Na nova regulamentação publicada pelo Banco Central do Brasil e que começa a ter validade em 2026, a transferência de criptomoedas de uma corretora para uma carteira de autocustódia passará a ser tratada como operação de câmbio.
A mudança cria um marco regulatório sem paralelo internacional. Nem as mesmas jurisdições conhecidas pelo rigor regulatório adotaram medida semelhante. A decisão acendeu um alerta no mercado e reacende o debate sobre os rumores da regulação criptográfica no país.
Na prática, a nova interpretação enquadra a simples transferência de ativos digitais para uma carteira própria como uma operação sujeita ao controle do Banco Central. Durante um podcast com o Cointelegraph Brasil, Rafael Steinfeld e Cristian, da Urban Crypto Exchange, apontam que a regra cria um precedente inédito, pois não envolve conversão para moeda fiduciária nem remessa internacional tradicional. Ainda assim, o sistema passa a tratar a autocustódia como se fosse trocado.
“O usuário não está enviando dinheiro para fora do país. Ele está apenas exercendo o direito de guardar o próprio ativo”, afirmou Steinfeld. Segundo ele, nenhuma outra regulação no mundo adota esse entendimento, nem mesmo o MiCA europeu, considerado o marco mais abrangente do setor até agora.
A medida altera profundamente a lógica do ecossistema criptográfico, que nasceu com base na autocustódia como princípio fundamental. Desde a criação do Bitcoin, o controle direto das chaves privadas representa a soberania financeira e a redução de intermediários. Ao classificar esse movimento como câmbio, o Brasil caminha na direção oposta.
Além disso, a mudança amplia a burocracia e eleva os custos operacionais. As Corretoras precisam adaptar sistemas, cumprir novas obrigações e repassar despesas ao usuário final.
“Quando o custo sobe na origem, ele sempre chega ao consumidor. O impacto não fica no papel, ele aparece no preço.”, disse.
Vai ter ou não vai ter IOF em stablecoins?
Esse novo enquadramento também abre caminho para a tributação indireta, especialmente por meio do IOF. Após as resoluções cambiais, o Ministério da Fazenda passou a discutir a incidência do imposto sobre stablecoins. O mercado interpreta esse movimento como consequência natural do novo tratamento regulatório. Se a operação é cambial, o imposto se torna possível.
A preocupação cresce porque a lógica pode se expandir. Transferências para carteiras próprias, pagamentos internacionais com criptografia e até transações cotidianas podem entrar no mesmo guarda-chuva.
“A arrecadação se torna o objetivo central”, afirmou Steinfeld. Nesse cenário, o usuário paga a conta sem perceber, com custos embutidos nas transações.
Quem também concorda com Steinfeld é Rocelo Lopes, CEO da SmartPay | Grupo Rezolve AI. Em conversa recente com o Cointelegraph ele destacou que o setor já esperava que, após a regulação do Banco Central, a equipe econômica apresentasse as diretrizes fiscais.
“Todos nós sabíamos que em algum momento viria tanto a regulamentação relativa ao Banco Central quanto uma definição da equipe econômica sobre impostos. Existem stablecoins atreladas ao real onde não faria sentido ter IOF. Seria o equivalente a cobrar IOF sobre transferências via Pix. Se a paridade é um para um com o real, não há lógica em criar uma tributação adicional.”
Para ele, o risco é que uma definição mal calibrada pode desestimular a inovação.
“É preciso definir qual será o valor do imposto para não matar essa economia. O Brasil não pode, mais uma vez, se tornar apenas espectador de uma tecnologia que pode liderar.”
Lopes lembra que os emissores de stablecoins lastreadas em real precisam garantir a paridade no resgate, o que torna incoerente a possibilidade de taxar tanto a entrada quanto a saída desses ativos.
“Fica estranho dizer que eu pago mais para adquirir um criptoativo pareado ao real e perco quando troco de volta para a moeda fiduciária. Isso desestimula e não faz sentido.”
O CEO destaca que uma definição bem estruturada pode, inclusive, fortalecer o ecossistema brasileiro e tornar-se competitivas soluções criadas no país
“Essa definição pode criar a indústria nacional e beneficiar empresas que estão desenvolvendo novos modelos de economia usando o real como referência. Mas é preciso muito cuidado com a forma de tributação.”
Enquanto Brasil tributa, EUA abraça criptografia
No entanto, o cenário internacional segue na direção oposta. Nos Estados Unidos, uma mudança de sinal político teve efeito imediato. O governo Trump passou a ser visto como pró-cripto, o que destruiu o apetite institucional. Mesmo sem uma grande reserva estratégica de Bitcoin, o simples reconhecimento político já bastou para contribuições ao mercado.
“O institucional só entra quando o Estado diz que está tudo bem. Esse sinal veio, e os efeitos apareceram rapidamente. A aprovação dos ETFs de Bitcoin e a entrada da BlackRock marcaram um ponto de inflexão. O maior gestor de ativos do mundo não apenas entrou no mercado, como ajudou a consolidar o Bitcoin como classe de ativo”, disse Steinfeld.
A presença institucional muda o jogo. Diferentemente do ciclo de 2017, dominado pelo varejo, o momento atual mostra fundos, gestores e empresas tradicionais assumindo posições de longo prazo.
“O recado é simples: o Bitcoin veio para ficar”, disse Cristian, da Urban Crypto Exchange. As oscilações de curto prazo perdem relevância diante da estratégia de décadas.
No Brasil, porém, a regulação segue um caminho mais conservador. O discurso oficial defende segurança e controle, mas o mercado vê barreiras à inovação. Pequenas e médias empresas sentem mais rapidamente os efeitos. Startups perdem fôlego, projetos deixam o país e diminuem competitividade. A comparação com a Argentina sobe como contraste. Lá, a busca de regulação atrai grandes jogadores sem sufocar os menores.
Rafael e Cristian também abordaram as estratégias corporativas baseadas em Bitcoin, popularizadas por Michael Saylor. A adoção de criptografia como ativo de tesouraria representa uma aposta arrojada e altamente alavancada. “É uma estratégia extrema”, afirmou Steinfeld. Se o preço cair de forma abrupta, as empresas podem enfrentar sérias dificuldades, com reflexos diretos no mercado de ações.
Ainda assim, o risco não é novidade. Todo investimento carrega incertezas. O ponto central, segundo os entrevistados, é a diligência do investidor. “Não confie, verifique”, reforçou um deles. A responsabilidade final sempre recai sobre quem investe.
No debate sobre ciclos de mercado, a entrada institucional levanta dúvidas sobre o modelo tradicional de quatro anos ligado ao halving. Ninguém riscou o preço. A recomendação mais recorrente segue simples: DCA, longo prazo e verdade. Para quem acredita no Bitcoin, uma estratégia não é especular, mas acumula.
“O Bitcoin se compra e não se vende”, finalizou Steinfeld.
Fontecointelegraph




