O excesso de regulamentação ameaça eliminar a vantagem da Europa em ativos digitais, afirma Wojciech Kaszycki, CSO da BTCS.

Resumo

  • A divergência regulamentar entre os EUA e a UE está a acelerar
  • Tether, a maior moeda estável do mercado, está ativamente proibida na UE
  • Cada país da UE deve aprovar a sua própria lei para interpretar o MiCA, criando inconsistência

Há alguns anos, a Europa parecia líder na regulamentação das criptomoedas. Hoje, essa liderança está caindo. À medida que os quadros regulamentares globais para a criptografia começam a cristalizar-se, surgem diferenças gritantes entre os EUA e a União Europeia.

Para discutir a regulamentação de ativos criptográficos na UE, crypto.news conversou com Wojciech Kaszycki, CSO da BTCS, uma empresa de infraestrutura e tesouraria ativa com sede na Polônia e listada em Varsóvia. Ele explica por que razão o excesso regulamentar está a abrandar a inovação em toda a UE, enquanto os EUA avançam mais rapidamente do que nunca.

crypto.news: Você destacou recentemente um relatório do Conselho de Estabilidade Financeira mostrando que há uma divergência regulatória crescente em torno de stablecoins e criptografia entre jurisdições. O que essa divergência realmente significa e quem está se beneficiando com ela?

Wojciech Kaszycki: Se você observar o que aconteceu no último ano, fica claro que estamos vendo um realinhamento global. Veja o Catar, por exemplo. Teve de enfrentar tensões com os governos dos EUA e da Europa, mas hoje é o lar da empresa mais lucrativa do mundo. Ao mesmo tempo, vimos os EUA implementarem a Lei GENIUS, e a maioria das pessoas nem sequer sabe que uma parte significativa das transações Visa são agora liquidadas em USDC. Isso seria impensável há 18 meses.

Na Europa, você tem o regulamento de Mercados de Criptoativos (MiCA), que essencialmente proíbe o uso de stablecoins como o Tether por bolsas e carteiras. Eles não são mais permitidos como forma de pagamento. Enquanto isso, outras stablecoins estão sendo aprovadas, muitas delas tokenizando diretamente moedas fiduciárias.

Então, estamos vendo uma mudança completa. As empresas que anteriormente estavam excluídas dos sistemas financeiros tornaram-se multi-unicórnios. Um mercado totalmente novo surgiu. Não se trata de especulação – é uma tendência mais ampla. Nos EUA, a Lei GENIUS visa tornar o dólar americano mais dominante globalmente, permitindo que formas tokenizadas se movimentem mais livremente entre jurisdições, aproveitando os trilhos do blockchain. A Europa parece estar a fazer o oposto. Na minha opinião, a UE interpretou mal a intenção por trás da Lei GENIUS.

O que é fascinante é como os papéis se inverteram. Há alguns anos, a Europa era vista como mais aberta à inovação em blockchain e stablecoin. Os EUA foram restritivos. Hoje, está invertido.

CN: Por que você acha que a Europa estava à frente?

WK: Isso remonta ao presidente anterior da SEC nos EUA. Houve muito escrutínio. Os projetos estavam sendo bloqueados e havia especulações de que as stablecoins poderiam se tornar ilegais, já que somente os bancos poderiam emitir o que era considerado “meio de pagamento”. A Europa, por outro lado, operava num espaço menos regulamentado, o que dava liberdade comercial aos inovadores.

Isso mudou quando os EUA mudaram. Agora, se a UE tivesse implementado os seus quadros de forma mais eficaz, poderia ter ficado à frente. Mas isso não aconteceu.

Nos EUA, existe um regulador – a SEC. Na Europa, cada país tem a sua própria versão da SEC. Assim, embora o MiCA diga “aqui está o quadro”, cada país tem de implementar a sua própria lei para o operacionalizar. Na Polónia, essa interpretação ultrapassa as 300 páginas. Em Malta ou Chipre, podem ser apenas 11. Isso é um enorme problema.

Convidado: Exatamente. A Europa regula demais. E agora, com Trump de volta ao cargo, a desregulamentação está a ganhar força nos EUA. Antigamente existia um princípio jurídico simples: “Se algo não é proibido, é permitido”. Isso ajudou a impulsionar a inovação. Os burocratas reverteram isso. Agora é mais como: “Se algo não é explicitamente permitido, é proibido”. Isso sufoca novas ideias.

CN: Isso é interessante. Porque é que a Europa não se inclinaria para a descentralização para contrariar o domínio dos gigantes da Web2 baseados nos EUA?

WK: Isso teria feito sentido, e muitos de nós esperávamos isso. Mas a realidade é diferente. Os países mais pequenos da UE — Estónia, Letónia, Lituânia, Chipre, Malta — tiveram um desempenho relativamente melhor em termos de regulamentação porque são suficientemente pequenos para se adaptarem rapidamente e aplicarem as políticas com mais facilidade.

Mas eis a questão: a legislação da UE prevalece sobre a legislação nacional. Assim, cada país acaba com camadas adicionais de regulamentação além das estruturas da UE para garantir que estejam em conformidade. Isso significa que cada estado-membro acaba com regulamentações mais rigorosas do que a directiva base. E os países mais pequenos conseguem adaptar-se mais facilmente a esta complexidade do que os maiores.

CN: Existem exemplos de como essa fragmentação ocorre?

WK: Claro. Veja o caso das Instituições de Dinheiro Electrónico (IME) na Lituânia. Há alguns anos, você poderia comprar uma licença EMI por cerca de € 100.000, contratar um advogado e colocá-la em funcionamento em 3 a 6 meses. Estas instituições podiam fazer quase tudo o que um banco fazia – excepto aceitar depósitos ou oferecer crédito.

Agora é mais difícil conseguir uma licença EMI do que abrir um banco. Por que? Porque havia alguns maus atores e os reguladores responderam reprimindo. Embora os danos causados ​​pelas EMI tenham sido mínimos em comparação com escândalos nas finanças tradicionais, como o caso do Danske Bank, a criptografia é um alvo mais fácil.

Na Polónia, a legislação proposta imporia o dobro da penalidade pela operação de uma exchange criptográfica não licenciada em comparação com um banco não licenciado. Isso diz tudo sobre a mentalidade regulatória aqui.

CN: O que deve mudar em termos de regulamentação? Existem elementos do quadro atual que são úteis ou que valem a pena manter?

WK: Deveríamos ter um sistema de duas velocidades: uma para grandes entidades como Binance ou Kraken que operam em escala institucional, e outra para startups e pequenos inovadores.

As principais bolsas devem ser regulamentadas tal como as instituições financeiras tradicionais – a mesma supervisão, as mesmas expectativas. Mas os inovadores precisam de espaço para experimentar. Deveríamos ter algo semelhante a sandboxes regulamentares ou licenças de pequenas instituições de pagamento, com obrigações de conformidade limitadas e limites operacionais claros.

Caso contrário, você não estará matando a inovação – estará apenas conduzindo-a para outro lugar. As pessoas irão para Dubai, Cingapura e Costa Rica – lugares onde as leis são mais flexíveis.

Outro grande problema é quem está fazendo a regulamentação. A missão da SEC é a segurança do mercado – não a inovação. A sua função é garantir que os mercados financeiros funcionem de forma segura e previsível. Tudo bem, mas não apoia o tipo de assunção de riscos que alimenta os avanços tecnológicos.

Em vez disso, precisamos de uma governação dupla: um regulador centrado na inovação e na experimentação e outro centrado na segurança e na supervisão. Devem trabalhar em conjunto — para que, quando algo inovador atinja a escala ou o âmbito dos mercados financeiros, passe para o âmbito dos reguladores tradicionais de uma forma segura e supervisionada. É assim que acontece a inovação real e sustentável.

CN: Os reguladores da UE estão abertos a esse tipo de abordagem dupla?

WK: Na verdade não. No momento, a abordagem é: “Vamos regular a criptografia. Vamos controlá-la”. Em alguns países, o licenciamento do MiCA foi deliberadamente dificultado – não para encorajar a conformidade, mas para limitar a participação. Alguns reguladores querem apenas três ou quatro intervenientes grandes e facilmente controláveis. É assim que se mata a inovação na Europa.

Não é que o MiCA seja totalmente ruim. Existem pontos positivos – por exemplo, define claramente o que são stablecoins e reconhece o dinheiro eletrônico tokenizado. Mas, novamente, a questão não é a lei em si – é como ela é implementada. Abordamos a regulamentação com suspeita, presumindo o pior. Por isso, impomos sanções extremas e interpretações demasiado rigorosas, o que prejudica o potencial.

Vamos mudar para DeFi. Onde você acha que estamos globalmente e na UE em termos de regulação das finanças descentralizadas?

WK: Para ser honesto, não chegamos a lugar nenhum. Os reguladores estão tratando o DeFi puramente como uma atividade financeira, em vez de começar com a tecnologia subjacente – blockchain. Essa é a abordagem errada.

Digamos que alguém crie um protocolo de empréstimo que funcione exatamente como o Aave, mas não seja descentralizado. É apenas um banco de dados centralizado com uma interface web. Esse sistema seria abrangido pelas regulamentações financeiras existentes – derivados, empréstimos, etc. Tudo já está definido.

Mas o DeFi é diferente. É primeiro um modelo tecnológico e depois um modelo financeiro. Deveríamos tratá-lo dessa forma. Se começássemos com a camada tecnológica – como funcionam as blockchains, como os dados são armazenados, como os contratos inteligentes interagem – poderíamos construir um modelo regulatório muito melhor que refletisse como esses sistemas realmente funcionam.

Hoje, os projetos DeFi criam fundações no exterior apenas para evitar a questão “quem é o responsável”. Isso não é saudável. Precisamos de formas claras e transparentes de lançar e operar protocolos DeFi de forma legal e segura, sem matar a inovação.

CN: Já existem ferramentas legais que possam ser adaptadas?

WK: Definitivamente. Por exemplo, na UE já temos licenças de crowdfunding. Você pode receber uma licença para uma plataforma de crowdfunding – e o crowdfunding é essencialmente uma parte do DeFi. Financiamento de dívida, produtos de rendimento, capital tokenizado – tudo se sobrepõe.

As peças legais existem. Eles só precisam estar interligados de forma coerente. O perigo é que os reguladores sigam o caminho mais fácil e digam: “Isto é financeiro – vamos entregá-lo aos bancos”. Se isso acontecer, o DeFi não morrerá – apenas se mudará para outras jurisdições. Isso é o que sempre acontece.

No momento, a maioria dos protocolos DeFi não é compatível com AMLD5 ou AMLD6. Esse é um verdadeiro desafio. Mas encontraremos um jeito. A chave é ter decisores políticos de espírito aberto, como o que começamos a ver nos EUA. A UE ainda se sente muito atrasada nesta frente.

CN: Por outro lado, a Polónia teve um forte crescimento recente. Isso estava ligado à inovação em criptografia ou ativos digitais?

WK: Não, na verdade não. A maior parte do recente crescimento económico da Polónia decorre da guerra na Ucrânia. Tivemos um grande afluxo de refugiados ucranianos, que trouxe trabalho, consumo e também logística relacionada com ajuda. Somos também um grande país da UE e beneficiámos do timing e das macrotendências.

Infelizmente, esse crescimento tem pouco a ver com blockchain ou ativos digitais. Nossos reguladores ainda estão muito céticos. Recentemente, o chefe do nosso regulador nacional de valores mobiliários disse publicamente que a criptografia é essencialmente uma farsa – totalmente desdenhoso. É uma visão ultrapassada.

NC: Há mais alguma coisa que você acha que não está sendo discutida o suficiente?

WK: Acho que não estamos percebendo como as empresas de gestão de ativos digitais (DACs) estão silenciosamente impulsionando a adoção em massa. Todo mundo fala sobre DAOs, mas é nos DACs que o dinheiro institucional está entrando no espaço.

Eis o porquê: nem todo mundo deseja manter chaves privadas ou lidar com frases-semente. Muitas pessoas simplesmente desejam exposição a ativos digitais sem atritos. É isso que os DACs oferecem – experiências semelhantes às de corretagem, soluções de custódia ou produtos de investimento que parecem familiares. Isso é um sinal de adoção em massa.

E não é apenas o varejo. Muitas jurisdições da UE oferecem vantagens fiscais para investir através de certas estruturas jurídicas — fundações familiares, esquemas de investimento alternativos, etc. — mas a criptografia não é uma classe de ativos reconhecida em muitos destes regimes. Os DACs podem preencher essa lacuna. Essa é uma enorme rampa de acesso.

Fontecrypto.news

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