Os derivativos de ativos virtuais representam um dos segmentos de maior crescimento e que mais têm despertado debates regulatórios no cenário internacional, em razão do alto volume de negociação, da complexidade dos instrumentos e da falta de uniformidade nas regras aplicadas pelas diferentes jurisdições.
Derivativo é, em essência, um contrato que se apoia em um bem subjacente ou antecedente com valor econômico, funcionando como reflexo deste. Assim, qualquer oscilação no preço do ativo de referência repercute diretamente no derivativo, de modo que o valor do contrato acompanha as condições econômicas do ativo que ele atende de base.
Esses instrumentos permitem que os investidores negociem a variação do preço dos ativos sem precisar adquiri-los diretamente. Isso ocorre por meio de diversas modalidades, como contratos futuros, opções, swaps perpétuos ou contratos por diferença, que viabilizam tantas estratégias de proteção contra a volatilidade do ativo subjacente quanto às operações de especulação e arbitragem.
🟠Receba consultoria em Bitcoin com os maiores especialistas do mercado.
O mercado de derivativos de ativos virtuais atingiu um novo recorde em 2025, com US$ 8,94 trilhões em volume mensal de negociação, superando mais uma vez o mercado à vista, conhecido como spot. Estima-se que o setor já movimente mais de US$ 28 trilhões por ano, consolidando-se como um dos segmentos mais ativos dentro do ecossistema de ativos virtuais. Atualmente, os derivativos representam aproximadamente 76% de todo o volume de negociações em ativos virtuais. Bitcoin e Ether seguem como protagonistas, respondendo juntos por cerca de 68% de todas as operações de derivativos, enquanto a região Ásia-Pacífico se mantém na liderança global, responsável por mais de 48% do volume negociado, impulsionado por regulamentações mais claras e detalhadas.
No Brasil, entretanto, tal como acontece com boa parte do mercado de ativos virtuais, o cenário é marcado por uma lacuna normativa. Embora a Comissão de Valores Mobiliários reconheça que derivativos que se enquadram como valores mobiliários excluam registro e autorização perante a autarquia, não existe, até o momento, regulamentação específica externa para o mercado de derivativos de ativos virtuais.
Como observa o economista sul-coreano Ha-Joon Chang, a regulação só surge quando novos riscos tornam-se relevantes: “nós não tínhamos semáforos, freios ABS, cintos de segurança e air bags na época em que a maioria das pessoas andava a pé, de carro de boi ou, no máximo, a cavalo. Hoje temos essas coisas – e montamos a exigi-las, por meio da regulamentação, exatamente porque temos carros que são rápidos e poderosos, mas que causam danos se alguma coisa – mesmo que pequena – errado”. O paralelo é direto: assim como a evolução dos veículos desenvolveu a criação de mecanismos de segurança, a complexidade e o protagonismo dos derivativos de ativos virtuais exigindo a necessidade de um arcabouço normativo capaz de mitigar riscos coletivos, reduzir assimetrias e garantir previsibilidade jurídica.
Não bastasse, a CVM, ao mesmo tempo em que reafirma sua competência sobre operações de derivativos, optou por não trazer uma definição expressa de que seria um “contrato derivado”. Essa omissão é relevante porque impede a delimitação objetiva do seu alcance regulatório, deixando em aberto se determinados instrumentos do mercado de ativos virtuais estariam ou não sob a supervisão da autarquia.
Por esse motivo, a caracterização do valor mobiliário assume papel instrumental: mais do que a forma jurídica do contrato, importa sua função econômica. É nesse sentido que a CVM incorporou o Teste de Howey, precedente da Suprema Corte dos Estados Unidos datado de 1946, liberando a existência de contrato de investimento coletivo e, consequentemente, atraindo sua competência, a partir da existência de três requisitos concomitantes: aporte econômico, expectativa de retorno e dependência do esforço de terceiros.
Essa omissão da CVM produz efeitos negativos em múltiplas dimensões. No mercado, investidores afastados de uma operação de mercado legítimo. Afasta capital estrangeiro, que acaba buscando jurisdições mais seguras e previsíveis. Na economia, inibe a inovação e impede a arrecadação de tributos sobre operações que migram para o exterior ou para plataformas descentralizadas. Na esfera da proteção ao consumidor, a ausência de regras claras fragiliza os usuários brasileiros, que recorrem a serviços sem garantias mínimas de transparência ou segurança, e, em caso de lesão patrimonial, dificulta o pleno acesso ao Poder Judiciário.
Não bastasse, da mesma forma que acontece com a MP 1.303/25, a ausência de regulamentação específica para o mercado de derivativos de ativos virtuais termina por penalizar justamente as empresas que optam por manter presença regulatória no país, em contraste com aquelas que atuam sem formalização local e, ainda assim, continuam oferecendo tais produtos a investidores brasileiros, como no caso da Binance, que ofereceram derivativos sem registro e posteriormente celebrou termo de compromisso com a CVM no valor de R$ 9,6 milhões para consolidar o processo administrativo sancionador. Esse descompasso normativo cria um paradoxo: em vez de garantir a proteção, fragiliza os participantes locais e coloca o mercado brasileiro em desvantagem frente a outras jurisdições.
O mercado brasileiro de ativos virtuais atravessa um momento crucial, impulsionado por uma institucionalização crescente, maior adesão popular e um ecossistema de inovação tecnológica em rápida evolução. Ao mesmo tempo, enfrentam desafios regulatórios cada vez mais complexos, que vão desde a definição de um regime jurídico para stablecoins, passando pela adequação do regime de tributação e pela implementação da regra de viagem, até a segregação patrimonial e a necessidade de atualização do marco legal já existente.
Dentro desse conjunto, a questão da regulamentação dos derivativos de ações virtuais não pode ser simplesmente ignorada. Embora esse mercado já represente a maior parte do volume global de negociações por meio de ativos virtuais, no Brasil ainda não há um debate sólido e multidisciplinar sobre sua disciplina jurídica, permanecendo em zona cinzenta. Essa lacuna afasta o país das melhores práticas internacionais e mantém investidores e empresas sem a previsibilidade necessária para atuar de forma segura.
Fontes:
https://coinlaw.io/cryptocurrency-derivatives-market-statistics/
CHANG, Ha-Joon. Economia: modo de usar – Um guia básico dos principais conceitos econômicos. Tradução Isa Mara Lando, Rogério Galindo. 1.ed. São Paulo: Portfólio-Penguin, 2015, p. 285
https://livecoins.com.br/nova-mp-pune-empresas-brasileiras-de-cripto-e-favorece-concorrencia-estrangeira/
Fonteslivecoins




